Responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho
- Jorge Luís Moroni Lindo
- 1 de abr. de 2022
- 4 min de leitura
Seja no ambiente residencial ou nas instalações de uma empresa, é muito comum surgir a necessidade de se fazer pequenas obras civis, instalações de sistemas de segurança, ou, então, até mesmo realizar manutenções corriqueiras, como limpeza de calhas, podas de árvores e outras atividades que em si carregam certo risco previsível de ocorrência de acidentes durante a execução do serviço.

Nesse contexto, podem surgir as seguintes indagações: o contratante pode ser responsabilizado por eventual acidente? Se sim, quais seriam os requisitos para o reconhecimento do dever de indenizar?
A questão acima apesar de controversa, de comportar relevantes discussões doutrinárias e levantar questionamentos relativos à razoabilidade de se imputar responsabilidade a um particular por conduta imprudente de terceiro, pode ser respondida com base no posicionamento majoritário do Superior Tribunal do Trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho – TST, conforme julgado recente do dia 09/03/2022 (ementa completa ao final) reafirmou sua posição predominante, ao reconhecer a responsabilidade do contratante pelo acidente de trabalho, desde que demonstrado o dano, o nexo causal e a culpa, essa configurada, por exemplo, pela não exigência de EPIs.
Referido julgado entendeu que presentes os requisitos: existência do dano, nexo causal e culpa, é devida indenização pela contratante dos serviços à família de profissional de empresa terceirizada falecido em decorrência de traumas provocados em razão da queda do telhado da sede da empresa contratante, enquanto executava serviços de manutenção na calha.
Ainda segundo a decisão, “a não existência de contrato de emprego, como nos casos de trabalho autônomo ou contratação de empresa especializada, não afasta o dever de indenizar decorrente de ato ilícito em acidente de trabalho”
O fundamento legal para a responsabilidade nesses casos é de natureza civil, especificamente a responsabilidade civil por ato ilícito, na modalidade negligência.
Vide artigos 186 e 927 do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assim, dado o entendimento jurisprudencial majoritário do TST ora exposto, pode ser concluído que é de fundamental importância que o contratante de serviços tome medidas concretas no sentido de preservar a integridade física do prestador do serviço durante a execução do contrato.
Ementa do julgado em referência:
“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MANUTENÇÃO DE CALHAS. QUEDA DO TELHADO QUE CAUSOU A MORTE DO TRABALHADOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL E MATERIAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. A jurisprudência majoritária desta Corte firmou-se no sentido de a ausência de contrato de emprego, como nos casos de trabalho autônomo ou contratação de empresa especializada, não afasta o dever de indenizar decorrente de ato ilícito em acidentes de trabalho, ao contrário do que decidiu o regional. Reconhecida a transcendência política do debate trazido no recurso de revista. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MANUTENÇÃO DE CALHAS. QUEDA DO TELHADO QUE CAUSOU A MORTE DO TRABALHADOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL E MATERIAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. Controvérsia sobre a responsabilidade civil por acidente de trabalho para fins de indenização por danos morais e materiais. O trabalhador – pai e esposo dos autores – sofreu uma queda de uma altura de dez metros enquanto executava serviços de manutenção das calhas da sede da ré, sem o uso de EPI’s, falecendo em decorrência de traumatismo crânio-encefálico. Os autores alegaram que a ré contratou o de cujus como autônomo para a execução dos serviços. A ré defendeu-se, aduzindo ter contratado a empresa Portal Calhas, especializada na execução desses serviços, a qual era composta pelo de cujus e dois dos autores, seus filhos. O Regional acolheu a tese de defesa e manteve a improcedência dos pedidos. Consignou que a ré “na condição de tomadora dos serviços, não tinha o dever legal de vigilância e fiscalização próprios de um contrato de emprego”, tampouco “ingerência sobre as atividades desempenhadas” pelo trabalhador “no sentido de coagi-lo a adotar as medidas de segurança necessárias à integridade física”. Concluiu que o acidente fatal decorreu de culpa exclusiva da vítima ao não tomar as devidas cautelas diante da atividade que desenvolvia. Em fundamento adicional, a respeito da tese recursal dos autores, registrou que: o “trabalhador autônomo é aquele que conduz e assume os riscos da própria atividade. Cabia, portanto, ao Sr. Antonio arcar com os equipamentos necessários não somente para a execução dos serviços, mas para o desenvolvimento seguro da atividade. Nessas condições, a ré não concorreu para o infortúnio, não tendo como ser responsabilizada.” Nos termos da jurisprudência reiterada desta Corte a responsabilidade decorrente de acidente do trabalho apresenta natureza jurídica civil, em razão de culpa aquiliana por ato ilícito, consoante previsão dos arts. 186 e 927, caput e parágrafo único, do Código Civil e dos artigos art. 7º, caput e XXVIII, bem como do § 6º do art. 37 da Constituição Federal. Desse modo, o fato de o acidente ocorrer em relação de emprego, de trabalho autônomo, em contrato de empreitada ou mesmo de terceirização de serviços, não afasta a responsabilização do contratante e o respectivo dever de indenizar, caso presentes os requisitos respectivos – dano, nexo causal e culpa. Assim, o acidente fatal enquanto laborava para a ré demonstra o dano e o nexo causal. E a permissão, por parte da ré, de ocorrência de trabalho em sua sede, sem o uso de qualquer EPI, demonstra a culpa, na modalidade de negligência, a qual concorreu para o infortúnio. Patente o ato ilícito, impõe-se a responsabilização civil da ré e o consequente dever de indenizar os danos morais e materiais. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido."
(TST-RR- 333-07.2017.5.09.0122, 6ª Turma, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, julgado em 9/3/2022.)
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