Possibilidades para o desenvolvimento de atividade empresarial sem sócio no Brasil
- Jorge Luís Moroni Lindo
- 8 de nov. de 2021
- 5 min de leitura

Ter um sócio ou empreender sozinho? Essa é uma pergunta que praticamente todos empreendedores se fazem quando resolvem desenvolver uma atividade empresarial. A resposta passa por diversos elementos de análise e um deles é o entendimento do impacto dessa decisão na responsabilidade patrimonial pessoal do empreendedor por dívidas da empresa.
Até a pouco tempo, mais precisamente até o dia 8 de janeiro de 2012, quem quisesse desenvolver atividade empresarial sem ter um sócio, poderia assim o fazer somente como empresário individual.
A consequência jurídica dessa única opção fez muitos abandonarem a ideia de empreender sozinhos e procurarem alguém para ter como sócio, mesmo que meramente figurativo. Nesse contexto, na prática, o que se verificava era a constituição de uma sociedade limitada de “um dono só”, onde um sócio detinha quase que a totalidade das quotas e reunia todos poderes de administração da sociedade e o outro sócio detinha participação simbólica de apenas uma quota, sem ter qualquer poder decisório na sociedade ou mesmo efetiva participação nos resultados.
Isso ocorria com bastante frequência porque ser empresário individual implica na assunção pessoal de todos os riscos do negócio, a atividade se desenvolve no nome do próprio empreendedor que disponibiliza para tanto o seu patrimônio particular. Por consequência, o empresário individual responde diretamente com os seus bens pessoais e de forma ilimitada por todas as obrigações inerentes à atividade. O empresário individual é sempre a pessoa natural, a própria pessoa física é quem atua.
Por certo, existem algumas situações que mesmo diante da responsabilidade patrimonial ilimitada faz sentido empreender diretamente como pessoa física. Pode ser o caso, por exemplo, do empresário individual que se enquadra como Microempreendedor Individual – MEI, isso porque o MEI é beneficiado por condições tributárias diferenciadas e vantajosas, além de não precisar realizar toda escrituração fiscal e contábil, nos mesmos moldes exigidos de uma pessoa jurídica.
Diferente do empresário individual, tanto a sociedade limitada como a sociedade anônima têm personalidade jurídica próprias. É a sociedade que é a empresária, não os seus sócios ou acionistas. É ela quem organiza os meios de produção e exerce profissionalmente a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Portanto, a sociedade limitada e a sociedade anônima são sujeitos de direitos e obrigações e possuem patrimônios próprios, que não se confundem com o patrimônio de seus sócios, acionistas ou administradores.
Atualmente, com o desenvolvimento das teorias de desconsideração da personalidade jurídica a referida limitação de responsabilidade patrimonial é relativizada. Assim, presentes os pressupostos exigidos por lei, os quais são diferentes conforme a natureza da dívida, é possível ao juiz, caso a caso, no curso do processo judicial, responsabilizar o sócio por dívidas da empresa, ou responsabilizar a empresa por dívidas do sócio. Isso mediante a instauração de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, procedimento judicial esse onde é assegurado o exercício dos direitos ao contraditório e à ampla defesa pelo interessado.
Nesse cenário, mesmo diante dos casos que o judiciário relativiza a limitação de responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade a responsabilidade limitada continua ser um instrumento importante para o dimensionamento de riscos patrimoniais do empreendedor ao desenvolver a atividade empresarial. É possível afirmar que os riscos patrimoniais assumidos pelo sócio ou acionistas de uma empresa de responsabilidade patrimonial limitada são concretamente menores que os riscos assumidos pelo empresário individual.
Em 8 de janeiro de 2012, teve início a vigência da Lei 12.441/2011, por meio da qual o Código Civil foi alterado e foi introduzido no direito pátrio um novo tipo de pessoa jurídica de direito privado (artigo 44, VI, Código Civil): a empresa individual de responsabilidade limitada – Eireli.
A partir dessa data, além de ser possível o desenvolvimento da atividade empresarial como empresário individual, aquele que pretendia empreender sem sócio passou a ter também a possibilidade de constituir uma Eireli e com isso empreender assumindo um risco patrimonial pessoal menor, de forma limitada, em moldes semelhantes aos riscos assumida por um sócio de uma sociedade limitada.
Referida lei introduziu no Código Civil o artigo 980-A onde foi estabelecido que somente seria possível a pessoa natural ser titular de uma única Eireli e que a constituição dessa empresa estaria condicionada a um capital social de no mínimo 100 (cem) salários mínimos. Tais limitações impostas são objeto de críticas, principalmente por representarem restrições desnecessárias que desestimulam a iniciativa privada e também por que tais restrições partem da premissa equivocada de que o empreendedor tende a agir de má-fé.
De qualquer modo, a possibilidade de constituição de uma Eireli representou um importante avanço que trouxe a muitos empreendedores a possibilidade de, sem ter que encontrar um sócio, poder efetivamente destacar parte do seu patrimônio, transferi-lo para uma pessoa jurídica e através dela desenvolver a atividade empresarial com responsabilidade patrimonial pessoal limitada.
Em 20 de setembro de 2019 outra mudança legislativa ocorreu e passaram a vigorar as alterações trazidas pela lei de liberdade econômica - Lei 13.874/19. Dentre as inovações, uma passou a permitir a constituição pela pessoa natural de sociedade limitada unipessoal (parágrafos 1º e 2º do artigo 1.052 do Código Civil) e isso representou clara vantagem e simplificação especialmente porque a lei não condicionou a abertura da sociedade limitada unipessoal a qualquer das restrições impostas à constituição de uma Eireli. Portanto, o empreendedor passou a poder ser sócio de quantas sociedades limitadas unipessoais precisar e definir livremente o capital social necessário a cada sociedade limitada constituída.
Passados um pouco menos de dois anos, a lei 14.195/2021, vigente a partir do dia 27 de agosto de 2021, por reconhecer o fato da Eireli ter se tornado uma figura jurídica obsoleta, cuja utilização prática deixou de fazer qualquer sentido, determinou no capítulo dedicado à desburocratização empresarial a transformação automática das empresas Eireli em sociedades limitadas.
Não obstante permaneçam no Código Civil as referências legais às empresas individuais de responsabilidade limitada tanto no artigo 44, VI, como no artigo 980-A prevalece o entendimento pela impossibilidade de desenvolvimento de atividade empresarial por meio da constituição de uma nova Eireli, em razão da revogação não expressa de tais dispositivos.
O entendimento acima foi o adotado pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI, vinculado ao Ministério da Econômica, que ao regulamentar os moldes da transformação automática referida na lei expediu o Ofício Circular SEI nº 3.510/2021/ME, onde reconheceu ter ocorrido a revogação tácita dos artigos do Código Civil que tratavam da Eireli e orientou as juntas comerciais a absterem-se de arquivar a constituição de novas empresas individuais de responsabilidade limitada.
Ter um sócio ou empreender sozinho? A resposta a essa pergunta é complexa e envolve além dos pontos ora expostos muitos outros aspectos jurídicos que poderão ser melhor avaliados por um advogado de sua confiança, que considerara as peculiaridades do caso concreto. Em relação a possibilidade de se empreender sem ter um sócio, conforme visto, a legislação evoluiu bastante nos últimos anos e trouxe novas possibilidades ao empreendedor.
Comments